Thursday, March 16, 2006

«O ódio é a cólera dos fracos.»
Daudet, Alphonse


Há qualquer vazio que nos mata na distância que sobra do nosso espaço, uma lágrima pequena que corre perdida por entre nossos dedos separados, olhares tímidos de vergonha. Há qualquer força que nos afasta e eu sei porquê. O abismo presente impõe-se entre todos aqueles cujas almas estão viradas do avesso, em alvoroço para um final, cegas para um destino, que querem a todo o custo conquistar. O apartar dos caminhos dá-se sempre que dois são e serão sempre dois e nunca simbiose perfeita do querer, do querer o mesmo ao mesmo tempo. O tropeço dos passos vinga sempre quando a melodia do presente não está em sintonia com os sons trazidos pelo futuro. O fim chega sempre quando um muro se sobrepõe a qualquer ímpeto de força para continuar, a qualquer crença na harmonia, à pureza do sentir. E hoje percebi o fim que me condiciona o caminhar e me leva para longe, onde tudo é mais verdade e menos dor. E hoje vejo-te assim, sombra de memória, sinal distante da minha pele, devorador de outras almas que não a minha, demónio perdido entre fantasmas ardentes de inferno. Prometo que não vou parar na evidência mórbida do mal que em ti existe. Prometo ir sempre mais longe, perto daquilo que sacia a minha alma, que são os ventos suaves dos sorrisos, a autenticidade do choro e verdade do amor. Jamais seguirei, por isso, esse exemplo de ser repositório de dor alheia, de frustrações pequenas, de ódios crescentes e mesquinho pensar. Volto a casa com a sensação mista de desilusão e felicidade extrema. As mãos tremem quando rodo a maçaneta da porta da minha vida. É por ela que clamo num pranto suave. É a ela que regresso. Contigo. Sempre contigo. Até ao fim.

Monday, March 13, 2006

Tenho evitado acordar-te. Talvez devesse fazê-lo de uma vez para tentar sacudir a inércia desses músculos que teimam seguir caminhos de vãs promessas e desejos frustrados. É tanto o ódio que te rasga a pele e tanta a indulgência da tua lassidão que afasto a possibilidade de arruinar esse sono de vazio profundo em que mergulhas o teu olhar. Por isso tenho evitado acordar-te. Embrulho as mãos no colo e sigo diferente destino na esperança de voltar a sorrir com a facilidade dos que comodamente acreditam.
Às vezes ainda te encontro em tantas palavras escritas em papéis brancos rabiscados a tinta azul, mas rapidamente volto a adormecer-te como se fosses vazio em cada regresso fustigado pela memória. E resta saber se o és. Lembro-me que te desapetrechei um dia dessa armadura de altivez camuflada e percebi-te sombra de gente. Mera sombra alimentada de alheias lágrimas e angústias, das fraquezas dos que dizes pequenos e infelizes. Parasita de escuridão, roedor de verdades e mentiras, pestilento de dores inacabadas. Mesmo assim, ainda gostava de te ver acordado num mundo em que é respirável a verdade, em que são ofegantes os sentimentos autênticos, no meu mundo, no espaço reservado à ansiedade apaixonada pela vida e seus segredos. Pode ser que um dia me dispa de receios e me encha de coragem e tente novamente acordar-te. Pode ser que nesse dia consigas perceber de que é feita a felicidade e que a vida não tem que ser sempre essa experiência de quase morte errante a que habituaste o teu pulsar. Por enquanto, porém, desacredito-te e à possibilidade da tua reconversão. E por isso tenho impedido o teu despertar no meu mundo.