Saturday, November 29, 2003

Espiral de Loucura

Quantas demoradas reflexões tentamos escrever nas paredes absurdas do nosso cérebro e quantas fingimos apagar para não ter que as reescrever e repensar? Quantas vezes ousamos pensar mais do que sentir, tentando reconhecer nos dias que passam sinais lógicos e compreensíveis de um destino que nem sequer conseguimos escolher? Essa maldição inútil que é pensar em detrimento do sentir, prescreve-nos receitas calculistas, impõe a imunidade às emoções e ao sabor do desconhecido e sobretudo destrói, pouco a pouco, o mistério sublime que é o de viver. E desengane-se quem acha que não é assim. Com o tempo, essa é a única forma de podermos controlar a poluição de ideias e de sentimentos que nos invade constantemente, a única maneira de podermos passar pela vida sem nos tornarmos escravos dos ditâmes autoritários daquilo a que alguns ousam chamar destino...
No entanto, os esforços no sentido de nos ilibarmos do sofrimento e das lágrimas são sempre insuficientes. E há-de chegar o dia em que sentimos a angústia de tentar construir os nossos dias sem nunca experimentar a vertigem nem o desequiblíbrio, sem nunca levitar do torpor monocórdico da rotina, por percebermos que desse modo tornamo-nos simples espectadores da nossa própria vida.
Há-de haver um momento em que ousaremos sentir, levantar timidamente os pés do chão, permitindo, nesse voo, cruzarmo-nos connosco mesmos numa tentativa de resgatar momentos e sensações perdidas no tempo.
Uma pessoa cresce e habitua-se a vacilar entre estes dois pólos que fazem de nós verdadeiros seres humanos, sempre adstritos a uma racionalidade que invocamos como apenas nossa e a um coração cujos impulsos ou hesitações não compreendemos... E é entre estes dois pólos que nos movemos, num esforço incansável de encontrarmos um equilíbrio que nos tranquilize. Desde sempre tivemos esta sede de tranquilidade e segurança. E sentimo-nos desmanchar quando percebemos que nessa tarefa não há respostas mais ou menos correctas, não há fórmulas mágicas absolutamente eficazes.
E é nesta espiral frenética de loucura sã que pincelamos solenemente os nossos gestos que aparecem sucessivos na tela tão labirintíca quanto original da nossa história... da história de cada um de nós...