Sunday, December 14, 2003

«A vida leva para longe pedaços de tempo..»

Muitas vezes ousamos vestir a pele de peregrinos de uma infantil ingenuidade e deixamo-nos levar ao sabor do que a saudade nos dá... e queremos regressar a um passado que julgamos ainda nosso. Quantas vezes não tentámos já atravessar a porta mágica do tempo na tentativa de redescobrir uma felicidade já vivida? Mesmo sem querermos, nesses momentos, invade-nos um sentimento de uma agradável omnipotência, algo que nos faz sentir fortes e com capacidade para lutar, mesmo sem sabermos o que realmente nos move. E num pequeno gesto, acabamos por cometer, talvez, o maior erro de todos...
“Nunca voltes ao lugar onde já foste feliz”. Na maior parte das vezes, em vez de conseguirmos resgatar os momentos que um dia escolhemos abandonar, trazemos apenas no olhar uma inércia intraduzível e uma feroz desilusão. Parece que somos rasgados ao meio de tanto que os mundos do passado e presente são estanques...
O tempo lá terá as suas razões para escolher encerrar nos dias que jã não são nossos determinadas vidas e sonhos vãos. Só ele se pode arrogar da omnipotência e da frieza que o tornam capaz de se socorrer dos nossos passos e de os dirigir, como se, no fundo, não fossemos mais do que uma marioneta vagabunda por entre um labirínto que jamais saberemos decifrar...

Wednesday, December 10, 2003

De que é feito o Amor? De que cores, de que sons, de que palavras?
Poderia, recorrendo aos malabarismos infinitos que a escrita nos permite, tentar definir este excelso sentimento que não se vê, mas que se sente... poderia tentar fazê-lo, mas todas as definições pecariam sempre por demasiado redutoras, artificiais demais para traduzir a simplicidade genuína de um sentimento que não se escreve...
Imperdoavelmente, esquecemo-nos dele demasiadadas vezes. Aprendemos a desobedecê-lo nos dias selváticos que nos consomem. Molestamos o nosso coração, tornando-nos masoquistas idiotas de um egoísmo que não sabemos controlar... Lamentavelmente subestimamos a veracidade e a força deste sentimento que só nos melhora. Vendemo-nos a uma racionalidade sem limites porque jamais podemos correr o risco de sofrer e de admitir a fraqueza que nos é inerente.
Tristemente, apaixonamo-nos pela solidão, pelo seu silêncio ensurdecedor e pela sensação de liberdade que ela nos permite viver. Esquecemo-nos, contudo, que, devagar, essa sensação de vazio enfraquece os nossos sentidos e transforma o nosso olhar num recipiente aglutinador de amargas angústias.
Costumo dizer que quem escolhe a solidão, escolhe-a sem saber que não há mais nada a seguir... E não há mesmo... Sobram apenas rasgos inúteis de um egoísmo arrogante que julga poder alimentar-se de si próprio. E com isto perdemos a capacidade de nos darmos, de saírmos do nosso mundo mesquinho e desinteressante, perdemos muito... E ganhamos apenas uma inimiga íntima para a vida toda: a solidão, alimentada pelo constante silêncio e pelo vazio...
Perguntava-me de que é feito o Amor? Náo tenho dúvidas de que é feito das mais belas cores que traduzem o tempo, a espera e a proximidade. Acompanham-no os sons melodiosos da tolerância e da doçura e as palavras nuas de paixão e, sobretudo, de verdade... O Amor é feito de tudo isto. A incondicionalidade a que este sentimento nos remete é a chave que faz de nós humanos, especiais e diferentes de todos os outros seres. Renunciá-lo é querer viver na ignorância de que já se morreu...

Monday, December 08, 2003

«Ninguém disse que os dias eram nossos...»

Há muito tempo que me questiono sobre a razão de estar aqui, a razão de colorir sonhos num futuro que me ensinaram a respeitar mas que nem sequer sei se me pertence, a razão de obedecer à imponência atroz dos minutos que parecem atropelar-se de tão apressados... Questiono-me ainda mais quando descubro os rasgos caprichosos do destino que um dia nos escolhe porque sim e nos faz abandonar aqueles que mais amamos.
Ouvi um dia dizer que nada é permanente senão a morte... Cada vez mais entendo a verdade que estas palavras encerram, mas, por outro lado, desconheço profundamente a sua lógica e acho que a desconhecerei para sempre. Para os que ficam, esse final, imposto injusta e impiedosamente, será sempre alvo de uma revolta flutuante, de incompreensão impotente, de uma saudade que nos despe de defesas e de uma tristeza que trai os nossos sentidos. A definição mais simples e a mais clara de todas, ouvi-a de uma criança de 6 anos com a autenticidade que só as crianças conseguem transmitir. A morte é estúpida e má... e foi esta a definição infantil, mas tão verdadeira, que me ficou até hoje. De facto, a morte é estúpida... E é má... Ela vive dos desgostos e desilusões capazes de corroer as cores de um sorriso e cerrar as pálpebras dos sonhos...
Mas tudo depende do lugar onde a colocamos; tudo depende da força que lhe concedemos. Quanto a mim, prefiro continuar a acreditar que há uma razão para tudo isto, uma razão que nos transcende por agora, mas que a todos um dia se revelará. Quem já não está aqui, decerto já percebeu a razão de se morrer por ser preciso, nunca por chegar ao fim...
Continuo a acreditar no amor e que não vale a pena viver sem se amar alguém, mesmo que este alguém parta para o céu ou qualquer outro lugar...

Sunday, December 07, 2003

Nós somos a nossa maior armadilha. É tão fácil deslizarmos na força suave dos nossos sonhos e ilusões, alimentarmo-nos deles como se fossem a nossa vida real, é tão fácil adormecermos ao som da melodia inebriante das histórias por nós criadas. Há, contudo, uma inevitabilidade incontornável. Infelizmente, muitas das ilusões acabam por se perder no caminho amargo dos dias e damos por nós presos a uma realidade nervosa que nos amarra e que nos prende a um tempo e espaço determinados, que nos condena impiedosamente a silogismos objectivos e perfeitos. Acabamos por entristecer o nosso olhar, que se habitua a vaguear perdido por entre o nevoeiro denso e estático do mundo real. Um olhar que absorve as desilusões de tantos sonhos que ficam sempre por concretizar. Mas talvez seja por isso que nos seja concedida a capacidade de sonhar... a capacidade de nos elevarmos a uma realidade que não temos mas a qual adoraríamos abraçar. Talvez somente para isso mesmo. Para nos elevarmos sem nunca no entanto levantar os pés do chão...
Acho que todos nós tentamos traçar as linhas mais ou menos uniformes da nossa mão de acordo com os nossos desejos e ambições mais profundas. Acabamos sempre por desistir. Desistimos somente por perceber que jamais poderemos contrariar a força imponente do que é real e palpável. Desistimos por perceber que desse modo construímos uma armadilha irremediável no sentido da tristeza e da desilusão, isto porque as construções hábeis que ousámos um dia erguer acabarão muitas vezes demolidas de tão fantásticas e irreais.
Por isso, vamos perdendo a capacidade de sonhar à medida que o tempo passa por nós e nos consome os dias, meses e anos que precisaríamos para concretizar tanta coisa... Por isso, vamos aprendendo a escapar, qual raposa matreira, daquilo que nos pode manter realmente vivos, daquilo que nos concede sentido para a nossa existência.
E quantas vezes já fechamos, no baú bafiento do passado, ilusões que julgamos desmedidas? E quantas vezes já preferimos o solo firme do mundo real ao terreno movediço dos sonhos?

Wednesday, December 03, 2003

Simplesmente viver...

Um dia ouvi uma frase interessante: a felicidade jamais se procura...a felicidade constrói-se. Como todas as frases que têm a pretensão de conter verdades sábias, diz muito por poucas palavras. E como todas essas frases, ajuda-nos pouco... O que é isso de construir a felicidade? Equivale a coleccionarmos utensílios profícuos à construção dos seus alicerces para depois, só depois, podermos considerar que vivemos num estado de felicidade absoluta? Se esta for a interpretação correcta então, deixem-me que vos confesse, terão uma vida marcada por sacrifícios e restrições inúteis para um dia poderem habitar na vossa felicidade artificialmente edificada do nada. Inevitavelmente invadir-vos-á a sensação de um vazio indescritível, um vazio preenchido pela ausência de memórias, pela distância de sorrisos... só vos restará o sentimento de recompensa pelo esforço gasto ao longo dos anos na procura de um momento épico, de um estado de felicidade absoluta que só existe nos hollywoodescos filmes cor-de-rosa.
Outra interpretação menos utópica haverá a fazer desta frase. De facto, a felicidade não pode ser objecto de procura. Ela não vem descrita em livros nem se equaciona através de complicadas e abstractas fórmulas matemáticas. A felicidade constrói-se... E constrói-se da maneira mais simples, mais genuína que possamos imaginar... A felicidade constrói-se vivendo... É através de pequenos sorrisos, de olhares mudos e verdadeiros, de momentos únicos e irrepetíveis, é através de tudo o que é especial, diferente e desejado que a felicidade se constrói. Jamais poderemos querer sequer alcançar a felicidade absoluta... não vale sequer a pena esperar por ela, porque ela jamais chegará... A felicidade somos nós que a alimentamos, com tudo de bom que temos para dar e com tudo o que desejamos receber. E nem se pense que a felicidade apenas se veste de sorrisos alegres. Mesmo naqueles momentos em que as lágrimas sulcam o nosso rosto, desenhando gritos de alma angustiantes, podemos ser felizes se valorizarmos o momento em que um amigo nos abraça e nos escuta carinhosamente. Isto poderá denunciar um optimismo romântico exarcebado. Mas não creio que seja assim tão exarcebado quanto isso. No fundo, trata-se de viver. Viver plenamente tudo o que nos é permitido, da melhor forma que conseguirmos. Esse é o constante desafio que nos é imposto. Em breves palavras diria que a felicidade não se procura... talvez nem tenhamos de a construir. A felicidade vive-se simplesmente...

Saturday, November 29, 2003

Espiral de Loucura

Quantas demoradas reflexões tentamos escrever nas paredes absurdas do nosso cérebro e quantas fingimos apagar para não ter que as reescrever e repensar? Quantas vezes ousamos pensar mais do que sentir, tentando reconhecer nos dias que passam sinais lógicos e compreensíveis de um destino que nem sequer conseguimos escolher? Essa maldição inútil que é pensar em detrimento do sentir, prescreve-nos receitas calculistas, impõe a imunidade às emoções e ao sabor do desconhecido e sobretudo destrói, pouco a pouco, o mistério sublime que é o de viver. E desengane-se quem acha que não é assim. Com o tempo, essa é a única forma de podermos controlar a poluição de ideias e de sentimentos que nos invade constantemente, a única maneira de podermos passar pela vida sem nos tornarmos escravos dos ditâmes autoritários daquilo a que alguns ousam chamar destino...
No entanto, os esforços no sentido de nos ilibarmos do sofrimento e das lágrimas são sempre insuficientes. E há-de chegar o dia em que sentimos a angústia de tentar construir os nossos dias sem nunca experimentar a vertigem nem o desequiblíbrio, sem nunca levitar do torpor monocórdico da rotina, por percebermos que desse modo tornamo-nos simples espectadores da nossa própria vida.
Há-de haver um momento em que ousaremos sentir, levantar timidamente os pés do chão, permitindo, nesse voo, cruzarmo-nos connosco mesmos numa tentativa de resgatar momentos e sensações perdidas no tempo.
Uma pessoa cresce e habitua-se a vacilar entre estes dois pólos que fazem de nós verdadeiros seres humanos, sempre adstritos a uma racionalidade que invocamos como apenas nossa e a um coração cujos impulsos ou hesitações não compreendemos... E é entre estes dois pólos que nos movemos, num esforço incansável de encontrarmos um equilíbrio que nos tranquilize. Desde sempre tivemos esta sede de tranquilidade e segurança. E sentimo-nos desmanchar quando percebemos que nessa tarefa não há respostas mais ou menos correctas, não há fórmulas mágicas absolutamente eficazes.
E é nesta espiral frenética de loucura sã que pincelamos solenemente os nossos gestos que aparecem sucessivos na tela tão labirintíca quanto original da nossa história... da história de cada um de nós...