Thursday, June 30, 2005

Num rodopio de um choro convulso e aflito disseste que ias suspender a tua existência. E no compasso seguinte do silêncio pontiagudo que se estreitou entre nós, foste distorcendo palavras de uma mágoa qualquer. Imaginei o teu olhar vazio e triste, o teu cabelo em cascata a cair-te pelos olhos negros, o desalento nos teus passos e a tua mão repetidamente nervosa a cair-te no colo em cada soluçar reticente. Desembaciei a distância na tentativa de a encurtar e esperei tranquila pela tua desilusão. Despediste-te depois num silente abraço e, sem dares por isso, abandonaste-me num súbito naufrágio de mim. De repente a minha manhã vestiu-se de um breu inóspito, próprio de uma noite sem lua e fiquei perdida no labirinto do meu coração. Compreendes o que sinto cada vez que uma lágrima te dilacera a alma? Compreendes o que sinto quando desistes de ter coragem e deixas que a sublime escuridão te extasie os sentidos? Vive agora em mim esta angustiante vontade de voar para o teu espaço e te conferir a esperança que hoje te desampara por um qualquer motivo que o destino ditou. Queria ser a brisa na palma da tua mão, para que não sentisses necessidade de cerrar os punhos numa revolta que não é caminho. Queria pegar-te ao colo, como tantas vezes soube fazer, e dançar contigo neste rodopio distorcido da vida. Queria roubar-te um sorriso para que com ele conseguisse apagar esta culpa ancestral que guardo ainda em mim. No entanto, continuo suspensa perante a inevitabilidade da tua lágrima e perante a impotência de te agasalhar o coração numa redoma de amor. A minha noite antecipada congela-me os músculos e questiona cruelmente esta separação que agora não podia ser verdade. Envolvo o teu olhar no meu pensamento e peço-te em lágrimas que me perdoes.

Thursday, June 23, 2005

Cor da alma

Hoje em mim vive um cansaço desiludido. Por pensar demasiado, por sonhar indisciplinadamente, por não dominar ainda a cor da minha alma. Escondo o meu rosto entre as mãos e deixo o sabor da brisa pintar-me lágrimas de vento no cabelo. Estendo as feridas abertas pelo tempo e exponho os vírus intrépidos que corroem a minha vontade. Porque hoje tenho uma vontade diferente. Apetece-me despir a pele e perseguir o mar. E auscultar o celeste paraíso. Quero mais do que tudo conhecer a cor da minha alma porque nada mais importa. E nada importa mesmo se a soubermos escutar mesmo na tortura sufocante das grades físicas da existência. Se a abraçarmos como loucos perturbados, sem destino. Tento tocar essa loucura cálida e desenho-a com suaves sílabas numa folha de papel. Leio-a. Repetidamente leio em voz alta e tento descobrir-lhe os contornos mais precisos e uma qualquer cor. Nada. Apenas uma titânica transparência e um magno silêncio, que desprezam esta mania que tenho de pensar demasiado em tudo quanto respira a meu lado, ao invés de pretender sentir apenas esse pulsar que pode ser também tranquilo. Esse manancial de delicada luz também desconhece o sonhar indiscplinado e diletante que carrego comigo e que transtorna o meu tempo. E numa profundidade quase sanguínea, a alma ignora qualquer rasgo de cor que possa adulterar os muros da fortaleza sobre os quais se ergue. Permaneço de olhos fechados e tento ouvir o seu prudente murmúrio. E o que escuto é este silêncio incolor que ilegitima o cansaço que em mim hoje vive.

Friday, June 17, 2005

Recomeço...

Uma indiferença marcante naquele olhar que se distancia calmamente no horizonte faz com que a sua audição rapidamente abandone a cacofonia de vozes desordenadas que vão gesticulando no meio da discussão ávidas de entendimento sobre a inevitabilidade que já se adivinhava. No momento em que os olhares se encontram, o tempo perde a rigidez e um só gesto, devoto, é suficiente para que aquela indiferença se desmascare. Saem os dois pela porta parcialmente aberta que lhes ditou por instantes a claustrofobia e procuram um espaço purificado. A pétrea passagem do tempo impõe o limite de uma hora para dizerem tudo o que nunca antes ousaram. O seu rosto pálido, diáfano, tem a forma de uma lágrima gigante que percorre velozmente os vales do passado e os caminhos do presente. Aí desagua uniformemente num buraco escuro, desconhecido, onde a dor é pincelada com cores celestes e onde o outro não reside senão em breves imagens de saudade. Por seu lado, ela não tem forças. Não controla a entropia do seu pulsar cardíaco. Permanece muda, numa morte lenta de movimentos. Quer inverter os papéis, mudar o rumo da história e apagar todo o sofrimento que os abraça numa melodia abusivamente forte e cruel. Por instantes, saboreiam ambos a leve brisa que lhe concede a fértil ideia da eternidade e que acalma o pranto desesperado que lhes desfigura a serenidade do amor partilhado. Percebem nesse instante que o tempo e o espaço são medidas finitas de existência que não colidem com a infinidade do sentir humano. E as palavras começaram a atropelar-se, a traduzir a espiritual verdade que sempre os unira e a construir, ali, naquele instante, um transcendente futuro, uma vida para além dos limites circunstancialmente impostos, um sentir que se eleva grandioso ao altar da eterna devoção. Envolto em magia e encanto é proferido um “Amo-te” simultâneo que tem a capacidade de absorver o passado, o presente e a dor de ter que morrer mesmo sem chegar ao fim…