Tuesday, June 10, 2008

I hurt myself today

- Achei que podia distrair-te o espírito de outras coisas e dar-te um pouco de ânimo.

Pousei a mão em cima da sua. A pele é macia. Respondi com olhos errantes ao longo da linha do mar. Palavras não são úteis em momentos como este, em que não é possível explicar que as minhas lágrimas mais não querem rasgar a pele que trago vestida na esperança que uma outra me sirva melhor e que não há retorno no caminho desta morte lenta dos sentidos. No meu lugar, tu, com o teu feitio expansivo, terias sacudido o silêncio mortal que vem sugando a força da alma e estarias hoje com capacidade de distrair o espírito de outras coisas. Mas o meu coração é diferente. É espinhoso e compacto. Precisa sempre de analisar escrupolosamente a verdade, fazer um diagnóstico do medo e da traição, o que o torna sempre mais desapaixonado. E desta vez é diferente. Antes, através dos teus olhos, chegavam até mim o milhão de pequenas coisas vivas que já me fizeram impulsionar os sentidos. Mas hoje não. Hoje não vejo mais do que uma sombra a percorrer-te o rosto, os teus olhos também tristes e os teus silêncios.

- Vai ficar tudo bem. - Encosto apenas a minha cabeça no seu ombro numa aflição enorme, os meus braços agitam-se num abraço, como se quisessem transmitir algo demasiado urgente que não pode ser expresso por palavras.

E hoje sobra só este silêncio paralisante que sufoca o espaço que existe entre nós.

Friday, April 18, 2008

Para a M.o P. e o I.

Ternura verdadeira e envolvente num espaço que volta a ser o meu, o passado que revive no presente sem deixar de ser futuro, a verdade de sempre que me justifica o pensar e o ser. É assim o regresso. É assim que me sinto. Em casa. Com o amor que lhe é característico, com o tudo que se entranha na pele e nos demais sentidos, o tudo que me aquece o espírito e que me permite o sono sereno perante os sobressaltos do incerto que há-de vir. Permaneço horas neste silêncio, colada aos vidros da janela do quarto, a observar os sons da minha infância e a imaginar como será daqui por diante, com a vida às costas a suspirar em saudade...

Friday, October 05, 2007

As coisas vulgares que há na vida
Não deixam saudades
Só as lembranças que doem
Ou fazem sorrir…


Estive para te escrever mas não consegui encher as palavras com a vida de tantos anos passados… As folhas rasgadas a meio de memórias revisitadas ainda se encontram espalhadas pela casa e em cada recanto encontro uma palavra perdida que és tu. Simplicidade. Essência. Encontro-te na verdade, na dor e ainda mais na saudade. Só consigo apreender-te nesta história desconexa, feita de textos escondidos e de lugares perdidos, consumidos pelo constante regresso à casa de partida das nossas vidas.
Hoje voltei a tentar escrever-te mas parei no primeiro ponto final que fui capaz de desenhar. E não sei continuar-te…

A chuva ouviu e calou
meu segredo à cidade
E eis que ela bate no vidro
Trazendo a saudade.

Friday, August 10, 2007

Solidão I

Passa uma morena sorridente, jovem de idade, traços delgados mas definidos, rosto diáfano, esguio mas condensado, de olhos esbugalhados para o oxigénio do dia, azuis quais pedras gélidas, mas doces. Calmos. Olha para mim como se me visse e num sorriso de dó pergunta-me se não quero ajuda para atravessar a estrada. Ajuda para quê, mal fique verde podemos atravessar e apesar de levar mais tempo a comandar estes trapos de pernas, ninguém se importa mesmo, pensei. Antes que pudesse tartamudear a minha cólera, a mão de pele sadia e fresca atestou as minhas rugas e feridas e ajudou a transportar-me para o outro lado. Enquanto caminhava, de cabeça baixa, tentando delinear os traços aprazíveis daquela rapariga em breves esgares, descobri que já não sabia a cor do carinho e não conseguia recebê-lo em mim. A aragem fazia dançar os seus cabelos compridos, com a transparência dos vinte, e embelezava ainda mais as linhas definidas do seu rosto cheio de um tudo que não me lembro de alguma vez ter possuído.
Está bem aqui, não precisa de nada, pergunta-me com uma doçura intérprete de alma sonhadora. Se preciso de alguma coisa, não sei, nunca ninguém me perguntou. Acho que não. E não agradeço, não sei fazê-lo e engulo a minha angústia por ser forçada a reconhecer a sobrevivência de corações no meio desta selva humana e isso ainda me transtorna mais.
Afinal há pessoas que não precisam de se enfiar no esgoto da inexistência nem render-se ao despotismo social para conseguirem afirmar a bondade gratuita do coração.

Wednesday, August 01, 2007

É bom reviver-te em mim mesmo na solidão da noite mais profunda, em que colecciono textos de palavras pequenas que testemunham aquilo que é mais instantâneo na saudade: a lágrima sem território, que desenha no rosto traços visíveis da tua ausência permanente.
Sabias disso? Que este segredo de te manter vivo é a única força que me impõe o acordar em tantos dias seguidos, que o procurar-te nas cores dos olhares das outras pessoas é o único caminho que os meus pés conseguem desbravar?
Não consigo aprender a fórmula mágica de te esquecer. Aquela música ainda abala o meu ritmo cardíaco, a imagem da tua possível chegada ainda alarma o meu silêncio e aquela verdade que só as palavras da tua boca conseguem proferir ainda me apoquenta o espírito.

E a tua ausência ainda me dói…

Friday, July 27, 2007

Pedaços de ti

Ela diz que ainda ontem sonhou com essa leveza, a que sustenta o teu sorriso cativante, mas não te encontrou. Desvanecem-lhe os traços do teu corpo por entre sonhos confusos feitos de presenças e ausências descontroladas em tempos e espaços indecifráveis.
Ela continua a dizer que é inútil a esperança e que o sonho mais não é do que soma forçada de pedaços de outras vidas que as mãos nunca tiveram coragem de agarrar e de momentos irreais cuja construção só serve para abalar a comodidade da solidão.
Mesmo descrente, parece que te continua a sonhar à noite e que é feliz nessa realidade de personagens e de histórias construídas fora do mundo das pessoas de verdade. Nesse imaginário protegido apareces vagamente descrito como luz intensa numa verdade quase infantil, as tuas mãos são fielmente reproduzidas em imagens de infindável doçura e o esboço do teu olhar é traduzido por palavras apaixonantes onduladas pela química dos sentidos.
Ontem, ela confidenciou-me que te quer rasgar da memória e que não volta a visitar-te. Mas à noite, tu és mais forte do que a resolução imediata de te esquecer e sei que ela voltará a encontrar no sonho que protagonizas a felicidade que existe na magia do desconhecido.

Wednesday, July 25, 2007

Efémero eterno

Quero tanto que a recordação de ti se eternize nas imagens que em mim guardo que quase tenho medo de continuar a viver.
Há momentos de uma perfeição poética, quase tão exagerada como a estrutura da ilusão, que nos sufocam o respirar e nos transportam para um estádio julgado inatingível de felicidade. Acrescentar-lhes novos dias, sons posteriores, ou influências externas, implica estrangular, com a repetição aperfeiçoada do recordar, o que o passado nos permitiu viver e desfocar a imagem do que já foi real.
Quero tanto recordar-te indefinidamente que quase sinto a coragem para congelar o meu coração e a parte do cérebro que imprime as fotografias do teu rosto e penso se não seria solução viável parar o decurso do meu próprio tempo, doá-lo ao nós que nunca vai existir e permitir que tu sejas a eternidade possível.
Hoje invade-me este medo de pisar o terreno estranho dos dias que ainda hão-de vir mas, enquanto a cobardia desse sentimento me impedir o abandono deste palco, vou continuar a legendar o passado com as imagens que de ti os meus olhos souberam construir, procurando agarrar este prazer que é o de conseguir eternizar a efemeridade.