Friday, August 10, 2007

Solidão I

Passa uma morena sorridente, jovem de idade, traços delgados mas definidos, rosto diáfano, esguio mas condensado, de olhos esbugalhados para o oxigénio do dia, azuis quais pedras gélidas, mas doces. Calmos. Olha para mim como se me visse e num sorriso de dó pergunta-me se não quero ajuda para atravessar a estrada. Ajuda para quê, mal fique verde podemos atravessar e apesar de levar mais tempo a comandar estes trapos de pernas, ninguém se importa mesmo, pensei. Antes que pudesse tartamudear a minha cólera, a mão de pele sadia e fresca atestou as minhas rugas e feridas e ajudou a transportar-me para o outro lado. Enquanto caminhava, de cabeça baixa, tentando delinear os traços aprazíveis daquela rapariga em breves esgares, descobri que já não sabia a cor do carinho e não conseguia recebê-lo em mim. A aragem fazia dançar os seus cabelos compridos, com a transparência dos vinte, e embelezava ainda mais as linhas definidas do seu rosto cheio de um tudo que não me lembro de alguma vez ter possuído.
Está bem aqui, não precisa de nada, pergunta-me com uma doçura intérprete de alma sonhadora. Se preciso de alguma coisa, não sei, nunca ninguém me perguntou. Acho que não. E não agradeço, não sei fazê-lo e engulo a minha angústia por ser forçada a reconhecer a sobrevivência de corações no meio desta selva humana e isso ainda me transtorna mais.
Afinal há pessoas que não precisam de se enfiar no esgoto da inexistência nem render-se ao despotismo social para conseguirem afirmar a bondade gratuita do coração.

Wednesday, August 01, 2007

É bom reviver-te em mim mesmo na solidão da noite mais profunda, em que colecciono textos de palavras pequenas que testemunham aquilo que é mais instantâneo na saudade: a lágrima sem território, que desenha no rosto traços visíveis da tua ausência permanente.
Sabias disso? Que este segredo de te manter vivo é a única força que me impõe o acordar em tantos dias seguidos, que o procurar-te nas cores dos olhares das outras pessoas é o único caminho que os meus pés conseguem desbravar?
Não consigo aprender a fórmula mágica de te esquecer. Aquela música ainda abala o meu ritmo cardíaco, a imagem da tua possível chegada ainda alarma o meu silêncio e aquela verdade que só as palavras da tua boca conseguem proferir ainda me apoquenta o espírito.

E a tua ausência ainda me dói…