Friday, August 10, 2007

Solidão I

Passa uma morena sorridente, jovem de idade, traços delgados mas definidos, rosto diáfano, esguio mas condensado, de olhos esbugalhados para o oxigénio do dia, azuis quais pedras gélidas, mas doces. Calmos. Olha para mim como se me visse e num sorriso de dó pergunta-me se não quero ajuda para atravessar a estrada. Ajuda para quê, mal fique verde podemos atravessar e apesar de levar mais tempo a comandar estes trapos de pernas, ninguém se importa mesmo, pensei. Antes que pudesse tartamudear a minha cólera, a mão de pele sadia e fresca atestou as minhas rugas e feridas e ajudou a transportar-me para o outro lado. Enquanto caminhava, de cabeça baixa, tentando delinear os traços aprazíveis daquela rapariga em breves esgares, descobri que já não sabia a cor do carinho e não conseguia recebê-lo em mim. A aragem fazia dançar os seus cabelos compridos, com a transparência dos vinte, e embelezava ainda mais as linhas definidas do seu rosto cheio de um tudo que não me lembro de alguma vez ter possuído.
Está bem aqui, não precisa de nada, pergunta-me com uma doçura intérprete de alma sonhadora. Se preciso de alguma coisa, não sei, nunca ninguém me perguntou. Acho que não. E não agradeço, não sei fazê-lo e engulo a minha angústia por ser forçada a reconhecer a sobrevivência de corações no meio desta selva humana e isso ainda me transtorna mais.
Afinal há pessoas que não precisam de se enfiar no esgoto da inexistência nem render-se ao despotismo social para conseguirem afirmar a bondade gratuita do coração.

1 comment:

da. said...

..e às vezes basta sorrir, Joana...basta sorrir para as pedras da calçada para que o mundo mude...