Saturday, November 19, 2005

À medida que ias falando percebi o muro que nos impedia a comunicação, no marasmo de palavras incongruentes que ias soltando inexpressivamente. Quase preferi o teu silêncio de outrora, sempre era mais reconfortante do que essas linhas nervosas que debitavas para me fazer acreditar na tua feliz decadência. Seguia atrás de ti, subi mais escadas escabrosas e dei de caras com outra sala, mais pequena, suada, cinzenta nos modos, a sala onde adormecias todas as noites com sonhos vazios para o destino. Estendeste o teu saco cama e colocaste a minha mochila ao lado. Ao fundo, ainda dormiam dois rapazes, parasitas do dia, frouxamente agarrados a garrafas de cerveja deixadas a meio, escorregadas no chão incolor. Aquela sala tinha duas janelas que davam para a parte de trás de outro prédio, pelo que a luz do sol só a muito custo conseguia espreguiçar aqueles corpos lânguidos e desmaiados da vida. Percebi a monotonia e o vazio mas quis acreditar que eram fruto do meu pessimismo e da minha incerteza. Continuavas a falar e eu já nem te ouvia. Não queria saber se estavas feliz, só sentir o teu denso silêncio para que o meu coração pudesse novamente bater ao teu ritmo numa sensação baça de felicidade. Alcancei-te a mão e pedi-te a paz que já não conheces. Caí no chão em pranto dorido por perceber de repente que já não é tua a mão capaz de me sacudir do vicioso e doloroso veneno da morte.

Thursday, November 10, 2005

É no escuro que me encontro quando de ti me lembro, do teu olhar vazio e faminto de dor. Pareces sombra feliz, vives no ermo chamado angústia, atormentas a pureza do meu espaço e ameaças a inevitabilidade da minha fraqueza. Este latejo cadenciado de nervos sonoros espezinha o meu corpo rastejante no chão frio desta casa de que não lhe conheço a cor, é nascente destas lágrimas que não sinto, mas que me matam a alma e impõe-me a estagnação no caminho. Medo. De mim, do pulsar descoordenado no coração dirigido a ti. De ti, da tua ausência agora irreconhecível e extraviada do horizonte de um abraço. De nós, do abandono das defesas que nos protegem e dos muros que o silêncio ergue. Medo. Da consciência de perder a cor do tempo e dos sorrisos e da transparência e da verdade. Afasto-te do meu mundo, afunilo a tua imagem, a tua existência, no esgoto moribundo da desgraça e espero apenas. Estática espero ouvir a voz que me abandona, aquela que se silencia sempre que és presente. E escuto. E sigo para o caminho que o meu coração indica. E é para longe de ti.

Wednesday, November 09, 2005

O amor. Sempre o amor. A vida. Chegar a um ponto e perceber que não se está sozinho neste lugar. Encontrar alguém que chegou ao mesmo tempo. O início. O momento crucial da decisão de se ser feliz. O amor. Sempre o amor. Tu. A minha vida, o sangue que movimenta o meu corpo, flutua no meu coração e volta sempre a ti. Regresso a ti a cada início de manhã, em cada fusão dos nossos corpos e sou tua. Só sei ser tua. És o fim da minha ausência, a felicidade que nunca esperei, a paz que me entorpece os sentidos e que extasia o meu ânimo. És. E fazes-me feliz sempre que estás perto, nas horas em que me abraças no perdão concedido, em todos os momentos em que me obrigas a dar mais sem muros de medo à volta. O amor. Sempre o amor. A restituir-me a força de que preciso para lutar por nós, numa paixão desenfreada, esgotante, gratificante. A fazer-te destino dos meus passos sem outros obstáculos ou prioridades. A cada dia que passa sinto-me mais perto. E avanço cada vez mais para receber daquilo que aumenta o coração. E sou tua. Só sei ser tua. Neste amor… sempre neste amor...

Thursday, October 27, 2005

Saudade...

Saudade tem todos os sabores da comida da minha mãe, do cheiro perfumado da sua meiguice, tem as cores de todos os sítios onde vi o pôr do sol, saudade tem o rosto do meu irmão, desde que ele mal abria ainda os olhos.
Que saudades do silêncio de casa, do vento morno das praias a fazer rodopiar os meus cabelos, dos papagaios de papel esvoaçantes conduzidos pelas mãos fortes do meu pai. Saudade dos cânticos de Natal a entoar pela casa cheia de vida e das batatas doces a sair do forno pela mão da minha avó.
Tenho saudades de correr para tudo, de ser criança, protegida do mundo, de amar inocentemente sem limites e de me deixar amar dessa mesma forma.
Saudade é sobretudo palavra de amor, de paixão, a palavra que une todos os pedaços de mim, de tudo o que jamais poderei esquecer, a palavra que me resgata do meu próprio corpo e derrama sobre mim a sua melancolia forte. E é por isso que este meu corpo é tantas vezes, como hoje, invólucro estranho e vazio de mim…

Friday, October 07, 2005

Porque a vida só vale por todas as pessoas que amamos

Declino o sono e avanço pela noite fria, sentindo-te tremer a meu lado na insónia estreita por onde passam eternidades vestidas de negro.
Doem-me os teus olhos cansados e perdidos entre o tudo e o nada, pólos equidistantes e recorrentes nos teus dias. Dói-me esse brilho de lágrimas contidas à força no teu espírito e esse peso soturno no teu coração. A sangrar apenas quero ser força no teu caminho, ser, sem saber quem. A luz inocente do teu ânimo. Doem-me os teus passos arrastados e fechados que olham para trás a cada movimento deturpado de determinação. Dar-te-ia se pudesse a paz de não te doer e ficaria em troca com o teu inferno. Para sempre.

Thursday, September 29, 2005

As vozes do rio dizem-me para ficar. Mas porquê que a vida não pára de me indicar uma multiplicidade de caminhos diferentes em notas soltas e confusas como se eu as pudesse decifrar. Pelo menos há este rio que acalma a minha desesperança e conforta a minha decisão. Tenho a sensação de que regresso a casa enquanto a brisa suave me beija o corpo e os sonhos que pinto cheiram a infância, têm formas coloridas e são tão legítimos como outros sonhos quaisquer. O problema é que as pessoas já não sabem sonhar, pareço ouvir num chapinhar intenso de uma gaivota. Baixo a cabeça em jeito de assentimento. Hoje está a ser um dia mesmo estranho. Acordei sobressaltada mas parece que até agora ainda não despertei e ando a vaguear não sei muito bem por onde. As expectativas saem atabalhoadas e sem nexo e sinceramente já não consigo decifrar aquilo que quero. Não sou feliz, queria correr o mundo mas não sair do mesmo lugar, dava tudo para ser igual a todos os outros que se contentam com um pequeno espaço de realização, onde todos os passos são freneticamente estudados até à exaustão neste círculo vicioso de lugares comuns, desejos falsificados e respiração artificial. Angustia-me o fardo da cobardia e o ter de fazer só porque sim. Só preciso de força e desta coragem que lateja forte no meu cérebro. E de ti, rio navegante que me levas ao colo amparada nesses teus braços infinitos de distância solene e fazes renascer a fé no meu coração perdido.
Lágrima em mim

Sento-me no chão e descalço os sapatos que me magoam os pés completamente deformados. Olho de relance para um casal enfatuado e perfumado que passa por perto e sinto-me objecto desconhecido no meio desta calçada que não me pertence, um corpo estranho no caminho, que está aqui por acaso. E quando olho para estes sorrisos disfarçados de uma pose distinta que passam por perto mas que não me vêem tranquilizo a minha agitação por perceber que também eles não são felizes. Venderam a alma ao mundo e são adeptos cegos de duas regras: habitar e trabalhar. E o tempo serve-se deles, suga-lhes o sentido e preenche os seus corações com horários espartilhados, momentos de felicidade enganosa, alicia-os com um futuro que ninguém sabe muito bem se existe. E são tristes e como eu, corpos vazios e sem sentido que se dirigem para lado nenhum. Com o tempo também perdem dinâmica interior e é possível adivinhar em cada um destes olhares prazenteiros o desespero e a miséria que se lhes vai na alma.
Neste momento, passam dois miúdos de sapatilhas rotas e narizes ranhosos a rir. Aproximam-se, atiram-me insultos e um pontapé na minha perna estendida no passeio, fingem defender um remate e saltam por cima de mim. Ainda tento levantar a mão mas ela pesa-me demais para conseguir impor o respeito que os pais destas crianças não incluíram no lote da educação. Com o rosto espezinhado, volto a calçar os sapatos e desafio o meu corpo a deambular lá mais para diante por onde passam mais pessoas. Preciso de comer mas com este aspecto sou uma ameaça ambulante para a sociedade. E se lhes dissesse que já fui como eles um dia, que tive sentimentos, desejos e expectativas mas que optei por saltar sem pára-quedas de um avião em movimento e que o voo é inseparável da queda e que é por isso que nunca fiz nada e hoje não sirvo ninguém. Estou hoje aqui, danificada, pobre, suja, rasurada pelo espaço mas pelo menos não sou hipócrita cega, vagabunda de emoções como todos eles. E se lhes dissesse tudo isso. Esqueço-me porém que além de cegos andam todos surdos. Não podem ouvir. E isso dá vontade de rir. E mudos. Porque não falam não porque querem estar em silêncio mas porque não têm nada para dizer. Ainda no outro dia, enquanto os pombos se aninhavam perto de mim, impressionou-me ver tantos casais, tanta gente, na rua e nos restaurantes, que passam horas sem falar uns com os outros. Parece que escolhem os locais mais ruidosos para terem a certeza de que o barulho dos outros os liberta da obrigação de comunicar. E secretamente acho que estas vidas sociais intensas só servem para que uns se escapem dos outros e todos são obcecados em preencher o silêncio como se este não contivesse vida. Acho também que no fim, quando o barulho cessa por instantes, fica apenas uma insatisfação permanente e um completo receio pelo minuto seguinte. Gostava que uma dessas pessoas vestisse por um dia a roupa da minha personagem, fossem como eu, um nada exposto à canícula de sucessivos Verões e frios de desfiados Invernos. Perceberiam a força do silêncio. É uma pausa que muda a vida, altera a percepção do que estava antes e condiciona tudo o que vem a seguir. É a ele que me abraço quando tenho medo e são as suas vozes que sigo sempre que a realidade me atira pedras e me obriga a seguir para outro lado e para lado nenhum. E o rio. O rio tem sabedoria, acalma a impaciência e obriga a minha resignação face à morte e ao mundo que ainda há-de vir

Tuesday, September 13, 2005

«… Aguardo a madrugada, impaciente
Os pés descalços na areia…»

Eugénio de Andrade

Despedida. Mais um dia de tantas palavras por dizer, pensadas durante as coisas inadiáveis que as adiam. Tomo o tempo até à exaustão, onde os minutos previsíveis sufocam o imprevisível e adormeço num sono em que os sonhos me chamam e eu vou. Vagueio por cidades onde as casas têm um tecto de céu e as estrelas cantam as canções da nossa história. Lentamente, foge-me a alma para o longe da tua ausência, onde a noite tem a tua pele e a lua o teu encanto, onde a mais longa distância diminui o caminho entre as nossas almas. Mais um dia infinito de quieto olhar. E outro, no suave embalo do nascente, onde procuro no conforto de um azul celeste a magia do teu regresso. E sempre encontro a coragem para partir e voltar sempre a este lugar onde te espero para sempre. A manhã do teu regresso perfumou-se de um céu luminoso que mereceu o aplauso aliviado do meu coração. Os meus pés dançaram guiados pela orquestra da minha respiração ansiosa. Reconstruí o meu sorriso e conduzi o meu espaço na tua direcção. Na hora em que sustentei o teu olhar num aveludado silêncio escudado na noite percebi que dizer-te é dizer uma vida inteira. Nos teus olhos de cor de ver tudo o que existe dentro dos meus há qualquer coisa que se reacende. Uma luz que é fogo e arde por dentro. Abraço-te como quem abraça a vida e sei que sempre que a minha força não quiser acordar, por mais distantes que os teus braços estejam, virás tu sacudir-me a lágrima e segredar-me as coisas que mantêm acesa a razão da minha saudade. E permito-me desaguar em ti porque o teu regresso serve o esquecimento da dor que é não te ter. E tudo à volta se esbate e se dissimula enquanto os nossos corpos flutuam no encanto inquebrável do nosso presente. E as mãos. O contorno das bocas nas pontas dos dedos. A maravilhosa fusão da nossa pele. Com os fios de seda e do linho com que se tecem os momentos marcantes amo-te e viajo no silêncio das palavras que não precisam de ser ditas. Na perfeição dos sentidos, anestesiada pela tua ternura, adormeço na certeza de que é contigo que quero estar porque só tu me concedes o sabor da eternidade.

Wednesday, August 10, 2005

Aquele olhar ávido de crescimento registava as minhas frases com olhos esbugalhados e dedos enrolados num papel de rebuçado verde. As minhas palavras esparsas como pingas isoladas despenhavam-se abruptamente na mesa redonda daquele litígio inútil. Não tinha ainda dado conta de que aqueles olhos acompanhavam as sílabas metralhadas por mim e continuava a gesticular argumentos para o ouvinte directamente acoplado ao erro cometido. Batia engenhosamente com os meus dedos na face da mesa cinzenta que decorava pobremente aquela sala neutra, vestida de um branco imparcial, enquanto roías nervosamente a tampa da caneta. E ia sorrindo para dentro à medida que ganhava terreno na disputa das nossas vidas. Em nenhum momento foste capaz de afastar dos dentes aquela tampa repelente e levantar o olhar na minha direcção. Ouvias desaguar anteriores harmonias e actuais desavenças sempre com a mesma inconsciência mórbida. E de repente o silêncio da tua resposta quebrou-se com o som franzido de um papel de rebuçado que é remexido agitadamente. Só aí dei conta da presença daquele olhar pequenino, estendido por detrás do sofá azul do lado da janela, que se debruçava amargurado sobre as minhas palavras. Na membrana mais sensível dos seus olhos, na qual se formam as imagens das aspirações futuras, percebi que a cor dos seus sonhos se tinha apagado. Uma mágoa profunda por lhe ter sido aberto o mundo real das contradições e mentiras, dos argumentos fáceis e da hipocrisia adulta daquela forma menos dissimulada do que inocente. Intimidada pela tua mudez oportuna e por aquela lágrima pueril, desfaço a minha razão e destruo as provas da minha convicção. Arrasto a minha cadeira à distância que me permite movimentar as pernas derrotadas e dirijo-me bruscamente para a saída. Naquele trajecto uma dor aguda atravessa os nervos centrais do meu corpo e quase me impede a fuga cobarde. E saio. Fujo eternamente da inquietação cruel da minha desumanidade sem saber que a vida já não corre perfeita nos vasos sanguíneos do meu corpo.

Friday, July 29, 2005

O tempo parou. Os pés pedem para caminhar. É neste impasse descrente que, como boneca pálida sem caminho, percorre a calçada familiar daquele bairro agora triste, mais cinzento. As pessoas já não sacodem a alegria à janela nem reparam sequer no regresso daquele rosto perdido. Continua a caminhar por entre as ruas estreitas, relembrando antigas piruetas e enérgicos rodopios. Ali não há horizonte. Só sonhos pretéritos, amordaçados em cada esquina. É como se estivesse a folhear um velho álbum de fotografias onde se espalham antigos abraços, sorrisos clássicos e caras esquecidas. Em cada uma dessas imagens rasuradas pelo tempo, um pedaço de vida. Ali fora feliz. O céu ameaça lacrimejar uma chuva oblíqua e denuncia a mensagem límpida do seu olhar. Tranquila, deixa para trás aquela calçada irregular. O tempo recomeça a contagem decrescente. Os pés pedem para caminhar…

Tuesday, July 26, 2005

Eterno regresso a casa

O cabelo revolto perdido pela face, as mãos esvoaçantes, os passos largos pela areia humilhada. A baixa temperatura de um magnificente pôr-do-sol. Os pés descalços que recolhem das algas segredos enregelam secos, parados, inconscientes. Na mágoa de uma recordação, um beijo salgado, trocado ali mesmo, naquele pequeno buraco de espaço, onde foram sussurradas as palavras fé, esperança, amor. Vinham simplesmente em ondas de uma ternura regular, cuja espuma luminosa acendia as velas da alma. Hoje uma onda impaciente fere aquele corpo e repugna aquela presença. No seu olhar límpido permanece, porém, a imagem daquele beijo. Focos de luz intensos. Depois é o sol que se esconde. O mar violento que grita. Uma fotografia que se afoga no frio da noite. O cabelo revolto amacia as lágrimas que sangram. As mãos desistem de querer voar. Os passos são agora inversos. De costas para o mar aproveita o sopro de vida que vem do lado de lá da realidade. E naquele momento breve feito imenso tempo é conduzida por sentimentos imateriais, solitários mas fortalecidos. Curva-se e agarra trémula a imagem que trazia consigo. Guarda-a no lugar reservado às coisas mágicas. E se tempo houver contar-lhe-á…

Monday, July 25, 2005

As horas

O nervoso miudinho do tic-tac do relógio da mesa cabeceira anunciava a chegada do derradeiro, o dia em que o passado é remexido num frenesim caótico mas necessário. Simultaneamente à passagem do último minuto de sonolência, os passos renascem e reconduzem a um caminho sem retorno. Um duche para refrescar os poros e libertar a memória da selecção inócua do tempo. Um pequeno-almoço exagerado para que o estômago não ameace anunciar o estado nervoso dos órgãos do seu corpo. O grande desafio. A imagem perfeita. Atingir a perfeição. Talvez aquela camisola amarela, bastante natural. Muito provavelmente a cor peca por franca neutralidade face ao espasmo que se quer provocar no olhar concomitante. Escolhe a cor-de-rosa forte, que esconde as rugas que os anos tatuaram no seu semblante. Aperalta-se com uma energia renovada à medida que o aperfeiçoamento vai trazendo resultados positivos. Uma nova imagem, o mesmo olhar. Triste, soterrado na certeza de que é um nada que regressa e que todas as esperanças e ilusões não são mais do que vozes mudas justificadas apenas na fria solidão que, desde a despedida, a acompanhou no rasto da petrificação. Na entropia fácil dos sentidos, deixou esmorecer uma lágrima maniqueísta. Determinada, porém, pincelou as maças do rosto e redefiniu os traços do seu olhar. Fecha a porta. O sorriso. As emoções. Veste-se de uma negra dureza, ao mesmo tempo que alarma uma viva felicidade. Dez minutos depois volta a ouvir-se o tic-tac do tempo, agora em câmara lenta, como se todos os sons do Mundo se calassem e tudo à volta paralisasse no momento em que se inicia uma profunda inspiração. E é o olhar que se cruza, a frieza que morre e a nudez de sentimentos que respira. A lágrima escondida por detrás de uma maquilhagem mal conseguida reaparece forte embora vacilante, desenhando no seu rosto as letras daquele nome longínquo. Nesta denúncia involuntária de fraqueza, o coração é tingido de um sentimento abortado e ela desesperada apenas quer fugir do terreno movediço desta realidade que já não conhece. Chega a casa novamente. Despe a camisola cor-de-rosa que lhe dera outrora alento e desmancha o seu corpo na tentativa de encontrar a peça que falta, a única, a que a pode ajudar a reconstruir o seu coração.

Tuesday, July 12, 2005

Numa declaração de desassossego tento escrever o que dentro de mim corre perdido, sangrando numa angústia que, como cinzas do que julgava certo, se espalha em bocadinhos de morte nos meus dias. Não me intimida o abismo que se estende por debaixo dos meus pés e esvazia a minha força mas sinto o meu fôlego cada vez mais derrotado por este cansaço desobediente. As sirenes rápidas do passado entoam no meu cérebro e estagnam-me perante a incerteza do próximo nascente. A minha razão esconde-se envergonhada por detrás do muro inóspito da fraqueza de espírito e, numa imprevista comoção, as minhas pálpebras ameaçam denunciar o pranto que é viver neste alvoroço de ideias distintas e de nulas decisões. Só na verdade que em mim habita, construo uma história feliz, feita de sorrisos e de inabalável sentir. Nessa embriaguez de sentidos, em que há imagens insistentes que me atravessam a saudade, consigo acalmar o frenesim de deturpadas emoções e desocupar-me de tudo para guardar cada minuto que é a minha vida...

Tuesday, July 05, 2005

Há uma força qualquer que quase me rasga ao meio, que me atira para o fundo, que não me deixa emergir e expirar demoradamente. Tento perceber o que me agarra os pés e não me deixa ver a claridade da manhã que já deve ter surgido no horizonte. Olho para baixo e uma névoa embriaga a minha visão que é agora distorcida e afunilada. A razão desiste pouco a pouco de lutar contra a falta de oxigénio deste interior de um nada que amedronta os meus movimentos circulares. Há uma qualquer energia que solidifica os pingos de sentimento do meu coração e me insensibiliza de tal modo que só o negro do vazio estremece enregelado junto ao meu desalento. Há uma dor hemorrágica que não falece. Que vagarosamente serpenteia no interior do meu corpo. O dia acontece e sou obrigada a esconder o sangue que me escorre pelas vísceras com o recurso a um qualquer paliativo concedido pela necessidade imposta de não chorar jamais. E ando, conturbada pelo resignado penar dos meus dias. E não choro porque mais vale aparentar a força do que transparecer uma fraqueza que sempre nos trai porque é verdade. E arrasto o meu olhar por falsos sorrisos e abraços imperfeitos. Dou o nada que é tudo o que tenho para dar e espero que essa força desista de me fazer fraca e me deixe encarar o meu próprio insucesso, sozinha, na sombra vacilante do meu medo. Espero que essa dor, assassina dos sonhos que desenho timidamente em folhas brancas de papel, cesse a sua vocação aniquiladora da minha existência e que, um dia, me deixe emergir e respirar os átomos da liberdade…

Thursday, June 30, 2005

Num rodopio de um choro convulso e aflito disseste que ias suspender a tua existência. E no compasso seguinte do silêncio pontiagudo que se estreitou entre nós, foste distorcendo palavras de uma mágoa qualquer. Imaginei o teu olhar vazio e triste, o teu cabelo em cascata a cair-te pelos olhos negros, o desalento nos teus passos e a tua mão repetidamente nervosa a cair-te no colo em cada soluçar reticente. Desembaciei a distância na tentativa de a encurtar e esperei tranquila pela tua desilusão. Despediste-te depois num silente abraço e, sem dares por isso, abandonaste-me num súbito naufrágio de mim. De repente a minha manhã vestiu-se de um breu inóspito, próprio de uma noite sem lua e fiquei perdida no labirinto do meu coração. Compreendes o que sinto cada vez que uma lágrima te dilacera a alma? Compreendes o que sinto quando desistes de ter coragem e deixas que a sublime escuridão te extasie os sentidos? Vive agora em mim esta angustiante vontade de voar para o teu espaço e te conferir a esperança que hoje te desampara por um qualquer motivo que o destino ditou. Queria ser a brisa na palma da tua mão, para que não sentisses necessidade de cerrar os punhos numa revolta que não é caminho. Queria pegar-te ao colo, como tantas vezes soube fazer, e dançar contigo neste rodopio distorcido da vida. Queria roubar-te um sorriso para que com ele conseguisse apagar esta culpa ancestral que guardo ainda em mim. No entanto, continuo suspensa perante a inevitabilidade da tua lágrima e perante a impotência de te agasalhar o coração numa redoma de amor. A minha noite antecipada congela-me os músculos e questiona cruelmente esta separação que agora não podia ser verdade. Envolvo o teu olhar no meu pensamento e peço-te em lágrimas que me perdoes.

Thursday, June 23, 2005

Cor da alma

Hoje em mim vive um cansaço desiludido. Por pensar demasiado, por sonhar indisciplinadamente, por não dominar ainda a cor da minha alma. Escondo o meu rosto entre as mãos e deixo o sabor da brisa pintar-me lágrimas de vento no cabelo. Estendo as feridas abertas pelo tempo e exponho os vírus intrépidos que corroem a minha vontade. Porque hoje tenho uma vontade diferente. Apetece-me despir a pele e perseguir o mar. E auscultar o celeste paraíso. Quero mais do que tudo conhecer a cor da minha alma porque nada mais importa. E nada importa mesmo se a soubermos escutar mesmo na tortura sufocante das grades físicas da existência. Se a abraçarmos como loucos perturbados, sem destino. Tento tocar essa loucura cálida e desenho-a com suaves sílabas numa folha de papel. Leio-a. Repetidamente leio em voz alta e tento descobrir-lhe os contornos mais precisos e uma qualquer cor. Nada. Apenas uma titânica transparência e um magno silêncio, que desprezam esta mania que tenho de pensar demasiado em tudo quanto respira a meu lado, ao invés de pretender sentir apenas esse pulsar que pode ser também tranquilo. Esse manancial de delicada luz também desconhece o sonhar indiscplinado e diletante que carrego comigo e que transtorna o meu tempo. E numa profundidade quase sanguínea, a alma ignora qualquer rasgo de cor que possa adulterar os muros da fortaleza sobre os quais se ergue. Permaneço de olhos fechados e tento ouvir o seu prudente murmúrio. E o que escuto é este silêncio incolor que ilegitima o cansaço que em mim hoje vive.

Friday, June 17, 2005

Recomeço...

Uma indiferença marcante naquele olhar que se distancia calmamente no horizonte faz com que a sua audição rapidamente abandone a cacofonia de vozes desordenadas que vão gesticulando no meio da discussão ávidas de entendimento sobre a inevitabilidade que já se adivinhava. No momento em que os olhares se encontram, o tempo perde a rigidez e um só gesto, devoto, é suficiente para que aquela indiferença se desmascare. Saem os dois pela porta parcialmente aberta que lhes ditou por instantes a claustrofobia e procuram um espaço purificado. A pétrea passagem do tempo impõe o limite de uma hora para dizerem tudo o que nunca antes ousaram. O seu rosto pálido, diáfano, tem a forma de uma lágrima gigante que percorre velozmente os vales do passado e os caminhos do presente. Aí desagua uniformemente num buraco escuro, desconhecido, onde a dor é pincelada com cores celestes e onde o outro não reside senão em breves imagens de saudade. Por seu lado, ela não tem forças. Não controla a entropia do seu pulsar cardíaco. Permanece muda, numa morte lenta de movimentos. Quer inverter os papéis, mudar o rumo da história e apagar todo o sofrimento que os abraça numa melodia abusivamente forte e cruel. Por instantes, saboreiam ambos a leve brisa que lhe concede a fértil ideia da eternidade e que acalma o pranto desesperado que lhes desfigura a serenidade do amor partilhado. Percebem nesse instante que o tempo e o espaço são medidas finitas de existência que não colidem com a infinidade do sentir humano. E as palavras começaram a atropelar-se, a traduzir a espiritual verdade que sempre os unira e a construir, ali, naquele instante, um transcendente futuro, uma vida para além dos limites circunstancialmente impostos, um sentir que se eleva grandioso ao altar da eterna devoção. Envolto em magia e encanto é proferido um “Amo-te” simultâneo que tem a capacidade de absorver o passado, o presente e a dor de ter que morrer mesmo sem chegar ao fim…

Monday, May 23, 2005

«And so it is
just like you said it would be...»

Aquela música reinventa o meu tempo, subverte a desconexão do meu pensar e permite que tudo em mim se misture, de modo intenso e envolvente, nas entrelinhas tépidas deste trilho sonoro. No horizonte de prédios há luzes que se acendem. Luzes que me entorpecem a retina que brinca a conta-gotas com a imagem do teu rosto. Tudo porque hoje senti um certo olhar de tristeza na tua voz. Notei um qualquer ponto perdido instalado no teu sentir, uma ausência cansada de cor. Tento fazer com que as horas corram a nosso favor. Revivo os sorrisos de saudade, mas invariavelmente tropeço sem cair na galáxia indefinida dessa dor real que hoje te veste. Quantas linhas tem o meu texto que reflectir, quantas palavras, para que eu consiga colorir o teu olhar? Quanto tempo tenho de desacelerar para conseguir ir hoje ao teu encontro e relembrar-te que o nosso mundo invade as regras adquiridas numa transcendência perfeita? Sem consulta prévia à razão, o meu coração rasga-se violentamente ao meio. Parte de mim sai de dentro, dos lados e voa sonâmbula ao encontro da tua noite. Ao sabor de um vento suave, metade do meu coração tenta desenhar formas engraçadas nas nuvens dos teus sonhos. Brinco com a possibilidade infinita de provocar a tua alegria e olho-te intensamente como se o fizesse pela primeira vez. E nas longas horas curtas que me restam até ao nascer do sol, obrigo a tua mão a recolher-se na minha, arranco-te do silêncio e levo-te mais uma vez comigo num passeio cúmplice pela vida...

Friday, May 20, 2005

Congelo o relógio e parto para longe de mim. Por instantes cheios de um horizonte interno, vislumbro no céu uma noite pueril anterior a qualquer madrugada. Pensamentos em convulsão. Palavras cortantes atravessam a minha alma e voam com ela para um outro lugar, mais distante e profundo. E ao mesmo tempo em que desvanecem os contornos externos do meu corpo e em que o desespero estremece agarrado a mim testemunho uma forte sensação de ausência. E nesse caminho em que provo a carência de mim mesma, sinto aproximar a saudade que me oprime. Quero ser escritora dos meus dias, fazer nascer parágrafos longos, capítulos de eternidade. Certamente serias personagem principal de tantos textos impregnados do teu sorriso, da tua ternura a atravessar o meu corpo, do teu toque que queima a minha pele, da tua verdade... E passas a estar presente. Ao som da tua melodia doce consigo mergulhar numa profundidade única de emoções e não consigo escrever senão num jeito forte e apressado, nessa escrita onde apareces como contrastante brisa suave. As minhas mãos transpiram estilhaçadas pela certeza de que não te consigo descrever devido ao limitado universo das letras. E no segundo em que me resigno a esta incapacidade, apenas quero olhar-te mais uma vez, sentir tudo, fugir e ser plena...

Thursday, April 14, 2005

A lágrima... corre sem pressa, sulca todos os cantos de um rosto cinzento e triste, invade as entranhas de todos os sentidos e envenena um olhar que é já distante. Ondulante, pequena e grande, sempre triste. E enquanto o sorriso não renasce, não há caminho. E no momento em que se deixam de ouvir os passos gigantescos da vida, no momento em que desmaiamos num sono profundo, invade-nos o maior dos medos. O de nunca conseguir restituir o que um dia já foi nosso...

Tuesday, April 12, 2005

«Não sei o que vem a seguir
Mas quero procurar...»

Como pássaro sem destino esvoaças perdida por entre um espaço que não conheces mas que te adormece numa serenidade incomparável. Reduzes a tua vida a uma qualquer película e, num qualquer canto silencioso do teu quarto, revês todos os momentos e emoções vividas ao longo de um passado recente. Relembras as fotografias dos sorrisos e das angústias, recordas a harmonia e a tristeza. A saudade e a mágoa. A verdade e a mentira. Nesse balanço de constante avanço e recuo pões à prova as tuas convicções mais profundas ao mesmo tempo que testemunhas um raio de luz forte que penetra pelas cortinas da tua janela. Não ousas abri-la. Não tens coragem. Não podes fazê-lo. Não deves. Permaneces no escuro silêncio do quarto, bem acomodada aos insucessos adquiridos e previsíveis. Sentas-te numa qualquer cadeira de baloiço que te embale nessa passividade infeliz e esperas que o tempo te faça ressuscitar os movimentos. Esperas como se essa espera fosse o tudo a que tivesses direito. Como se não pudesses provocar a mágoa ou a incerteza. Como se não pudesses viver o choque de uma nova opção, como se viver fosse apenas e sempre o mesmo respirar cadenciado. E ficas sem perceber que esse quarto já não tem espaço para tudo o que foge. E ignoras que o caminho a seguir te quer levar para longe. E nunca descobrirás uma manhã diferente, aquela em que, ao preterir o baloiçar pobre dos dias, vais querer abrir a janela que te impõe a força do destino, ainda que não saibas o que vem a seguir...

Tuesday, March 15, 2005

Porque respiras ofegante em cada passo que vais dando a medo? Consegues perceber onde queres chegar? Sabes se queres mesmo chegar? Pára. Olha. Sente. Segue um trilho tranquilo porque viver não tem que ser necessariamente uma chama sempre ardente, um desgaste constante e uma correria sem fim. Viver pode ser também uma onda calma que se destrói em silêncio na areia macia de uma qualquer praia de destino. Capta as fotografias dos dias, dos sorrisos. Abraça os laços que te unem a tantas pessoas. Sente saudade. Chora a distância. Valoriza a manhã que invade o teu quarto e as cores celestes de cada poente. Beija o tempo como se ele não te ferisse na sua passagem acelerada e fria. E serás feliz...

Monday, January 24, 2005

Poema Para a Joaninha


À solução que te enche de tristeza
Não voltes, nunca mais… que não merecem
O teu regresso quantos te apetecem
Com mãos ingratas, falhas de pureza…

Porque o teu coração que não despreza,
Nem fere, se desgraças acontecem,
Jamais conhece os ódios que arrefecem
Os outros corações que a vida lesa!

Assim, que não te tomem vãs loucuras,
Tormentos, choros, fúrias ou mais dores,
Silêncios, ânsias, sombras vis, agruras…

Que sempre te encha o despontar das flores…
Esse deleite eterno de ternura
E amor, que eu nunca tive em meus amores!

Ricardo

Tuesday, January 04, 2005

Acreditamos no que queremos acreditar, porque nos facilita as coisas, tranquiliza consciências e porque é fácil pegar nos clichés viciados do dito senso somum para "racionalizar" uma determinada escolha. Acreditamos porque sim, ainda que um raio trespasse um momento, como se não fosse este o caminho mais fácil.
Difícil é deixar de acreditar, questionar, procurar respostas. Difícil é entrar no vazio e procurar o que o preenche. Difícil é virar as costas ao adquirido e entrar numa sala de espera vazia e fria, com um amontado de velhas magazines, onde uma senhora dos seus quarenta e oito nos pede encarecidamente para suspender o tempo...
A dificuldade reside nesta coragem de nos despirmos das velhas ideias, sendo que isso implica um esforço acrescido de fazer renascer muitas outras.
A dificuldade existe na fronteira entre o ser e o estar... E há tanta gente que simplesmente está e que não é...

Joana