Wednesday, October 13, 2004

«Brandos Costumes»

Somos um povo de brandos costumes, dizem. E dizem-no num tom inocente e eufemístico para esconder a miséria de espírito e a mesquinhez de sentimentos.
Como se a palavra "brandos" conseguisse esconder as tromboses múltiplas deste nosso Portugal, que já deixou de andar, que corre parado num tempo e mundo para ele há muito desconhecidos. Como se os costumes ainda pudessem existir num mundo que carece de comunhão de interesses e de solidária humanidade.
E, como se a indignação fosse sinónimo de competência, levantam-se vozes que fingem quebrar os costumes (qual acto heróico e original), os que se dizem brandos, que soltam críticas avulsas e inúteis porque simplesmente destrutivas, que bufam segredos e congeminam esquemas para derrubar outras vozes que, mal sabem eles, porque não têm tempo para as escutar, são tão iguais às suas tanto na fonética quanto no contéudo.
No fundo, vive-se um monólogo que se rejeita a si mesmo, que tenta convencer-se e aos outros que se alimenta de uma razão absoluta e que alcança o impossível. E é nesse contexto que os brandos costumes se avivam. Absorvem-se os discursos mais idiotas, mais vazios e incoerentes desde que se possa ganhar alguma coisa com isso. É nisso que reside a grosseira apatia do povo português. No analfabetismo de diálogos que não se fazem, porque dão muito trabalho. É, de facto, muito melhor ouvir sem escutar! E assim se vive num rotativismo ideológico inútil e vazio. Com os brandos costumes, que o povo português exibe orgulhosamente, qualifica-se o ignorante e o astuto. Pretere-se o honesto e o inteligente. A meritocracia é ainda uma utopia. E ai de quem quiser mudar alguma coisa... Nessa altura, esqueçamos a brandura! Tudo em prol dos velhos costumes!

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